As eleições autárquicas na Turquia, que ocorreram nesse domingo (31), são consideradas "ponto de virada" no plano político do país. O partido AKP, do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, foi derrotado pelo principal grupo da oposição, o Partido Republicano Popular (CHP, na sigla em turco).
O chefe de Estado nãoconseguiu recuperar Istambul e Ancara, mas prometeu "respeitar a decisão da nação" nas urnas.
Com a reeleição em Istambul, Ekrem İmamoglu está sendo apontado como potencial candidato à Presidência da Turquia nas eleições de 2028. Quem é então o principal opositor de Erdogan ?
O CHP reivindicou uma vitória “histórica”, depois de derrotar o AKP nas principais cidades do país, de acordo com os resultados oficiais das eleições autárquicas de ontem. Com afluência superior a 77%, o CHP obteve 37,7% dos votos contra 35,5% do AK Parti, depois de contados 99,8% dos votos.
Com o partido de Erdogan perdendo terreno e ele mesmo assumindo ser este um ponto de virada, a situação económica, com a inflação atingindo 70%, é uma das causas apontadas para a mudança do cenário político. A oposição acrescenta que há o descontentamento da população com o que chama de políticas autoritárias do atual presidente.
“Não desrespeitaremos a decisão da nossa nação, evitaremos sermos teimosos, agir contra a vontade nacional e de colocar em questão o poder da nação”, afirmou Erdogan aos jornalistas, na sede da força partidária, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), em Ancara, citado pela agência France Presse
(AFP). “Infelizmente não obtivemos os resultados que queríamos”.
O principal partido da oposição conseguiu vencer nas maiores cidades da Turquia, incluindo a capital Ancara e Istambul. No total, o CHP venceu em 36 das 81 províncias, informou a agência estatal Anadolu. A maior parte do poder regional na Turquia Ocidental está agora pintada de vermelho, a cor do CHP.
Em Ancara, o atual presidente da Câmara, Mansur Yavas, foi o primeiro a reivindicar a vitória nas eleições: “As eleições terminaram, continuaremos a servir Ancara e os 6 milhões de habitantes, sem discriminação”.
Pouco depois, o presidente cessante da Câmara de Istambul, Ekrem İmamoglu, também do CHP, anunciou sua reeleição.
“Estamos em primeiro lugar, com avanço de mais de 1 milhão de votos. Ganhamos a eleição”, afirmou aos jornalistas.
Imamoglu, principal opositor de Erdogan
O mapa de poder alterou-se nas últimas décadas na Turquia, com o AKP - partido conservador islâmico - a dominar o centro e norte do país, enquanto o principal rival CHP - partido social-democrata - prevalece na parte ocidental e mediterrânea. Já em 2019, a conquista das câmaras municipais de Istambul e Ancara pelo CHP significou duro revés para Erdogan, que centrou o discurso político na reconquista de Istambul. Com 16 milhões de habitantes, Istambul é o centro financeiro, social e cultural da Turquia, além de ter valor simbólico para o atual chefe de Estado: Erdogan foi presidente da Câmara Municipal e foi nessa grande metrópole que iniciou sua carreira política, num mandato turbulento.
Nas eleições de 2019, Imamoglu contou com o apoio em Istambul de dois importantes partidos da oposição, o Partido do Bem (IYI), de centro-direita, e o Partido Democrático dos Povos (HDP), atualmente Partido da Igualdade e da Democracia (DEM), que representa a esquerda pró-curda do país. Para o escrutínio de domingo, ambos optaram por apresentar candidatos próprios, apesar de as pesquisas indicarem que muitos dos eleitores iriam optar por Imamoglu.
Agora, com a reeleição de İmamgglu , o presidente cessante de Istambul já é apontado como potencial candidato à Presidência da Turquia nas eleições de 2028, às quais Erdogan não pode teoricamente concorrer. A vitória de Ekrem İmamoglu alimenta as expetativas no país de que pode tornar-se no futuro líder nacional, uma vez que as eleições autárquicas são vistas como termômetro tanto do apoio de Erdogan quanto da durabilidade e força da oposição.
Apesar de serem opositores e apresentarem ideais políticos distintos, Erdogan e Imamoglu têm percurso semelhante. Além de ambos já terem sido presidentes da câmara de Istambul, os dois têm raízes familiares na região oriental do Mar Negro.
Eles têm outros pontos comuns: tanto Erdogan quanto Imamoglu já viram as suas carreiras políticas desafiadas por questões judiciais e, quando eram novos, foram ambos jogadores de futebol.
Ideias opostas
Recep Tayyip Erdogan e Ekrem İmamoglu partilham forte capacidade para atrair eleitores, mas quando se trata de política divergem. O próprio Imamoglu, um ex-empresário afável, admitiu durante a campanha. "As nossas ideias são em grande parte opostas", afirmou aos jornalistas, citado pelas agências.
Enquanto Erdogan entrou na política com um partido islâmico e remodelou o Estado secular desde que assumiu o poder em 2002, Imamoglu pertence ao secularista Partido Popular Republicano (CHP), tendo ingressado em 2008 e se tornado o líder partidário no distrito de Beylikduzu, em Istambul, há dez anos.
O sucesso de İmamoglu, de 53 anos, deve-se à capacidade de ter superado o limite máximo de cerca de 25% de apoio do CHP social-democrata na Turquia e de conquistar os eleitores mais conservadores.
İmamoglu estudou na Universidade de Istambul, formou-se em administração de empresas em 1994, ano em que Erdogan se tornou prefeito da cidade. Posteriormente, começou carreira como empresário ao ingressar nos negócios do setor de construção da família. Muçulmano praticante, mas membro de um partido secular, esse antigo empresário do Mar Negro fez fortuna na construção antes de entrar na política.
Casado e pai de três filhos, é conhecido por ter personalidade carismática, pelos óculos de armação fina e pela polêmica condenação a dois anos e sete meses de prisão por, supostamente, "insultar" os membros da Comissão Eleitoral da Turquia