A Califórnia deu início à revogação de cerca de 17 mil licenças comerciais de motorista (CDLs) emitidas para imigrantes, após uma auditoria federal concluir que milhares desses documentos foram concedidos com datas de validade que ultrapassavam o período de permanência autorizado no país. A medida, anunciada pelo Departamento de Veículos Motorizados do estado (DMV), atende a exigências feitas pelo governo federal, que acusou a Califórnia de descumprir regulamentações nacionais e ameaçou reter centenas de milhões de dólares em repasses.
Segundo a auditoria conduzida pelo Federal Motor Carrier Safety Administration (FMCSA), quase 25% das licenças analisadas em uma amostra apresentavam algum tipo de descumprimento das normas de emissão para motoristas não domiciliados, as chamadas non-domiciled CDLs. As regras federais determinam que a validade da licença comercial deve coincidir exatamente com o período de status migratório autorizado do titular. No entanto, milhares de documentos emitidos no estado tinham datas que se estendiam por anos além desse limite.
O governo federal reagiu com firmeza. O secretário de Transportes dos Estados Unidos, Sean Duffy, declarou que os 17 mil casos levantados “representam apenas o início das irregularidades” e advertiu que o estado poderá perder mais de US$ 160 milhões em verbas federais se não demonstrar conformidade imediata. A Califórnia já teve cerca de US$ 40 milhões retidos por falhas em outros requisitos, como exigências de proficiência em inglês para motoristas profissionais.
Como a situação chegou a esse ponto
A crise ganhou força após um acidente grave na Flórida envolvendo um caminhão operado por um motorista que, segundo autoridades federais, possuía uma licença comercial emitida sem os requisitos adequados. O episódio motivou o governo federal a ampliar auditorias em diversos estados, mas a Califórnia tornou-se o foco central devido às suas políticas historicamente mais inclusivas para motoristas imigrantes.
O DMV californiano afirma que muitos dos motoristas afetados tinham autorização legal para trabalhar no momento da emissão e que a discrepância ocorreu porque as datas de validade das licenças refletiam as regras estaduais — e não as federais. O órgão também declarou que os condutores serão notificados e terão aproximadamente 60 dias para renovar o documento conforme as novas exigências ou deixar que a licença expire.
Impacto no setor de transporte
A revogação em massa das licenças ocorre em um momento delicado para a indústria de transporte dos EUA. O país enfrenta uma escassez crônica de motoristas comerciais, especialmente em estados como a Califórnia, que dependem intensamente do transporte rodoviário para abastecimento interno, logística agrícola, circulação de mercadorias portuárias e distribuição de produtos industrializados.
Especialistas alertam que a retirada súbita de 17 mil profissionais das estradas pode gerar atraso em entregas, aumentar custos logísticos e pressionar ainda mais cadeias de suprimento que já operam no limite. Empresas de transporte afirmam que será difícil substituir rapidamente esse contingente, sobretudo considerando que o processo de formação, certificação e contratação de motoristas comerciais é longo e caro.
Repercussão entre comunidades imigrantes
Para milhares de famílias imigrantes, a revogação representa não apenas um problema burocrático, mas uma ameaça direta à subsistência. Organizações comunitárias denunciam que motoristas que trabalhavam legalmente há anos estão sendo repentinamente colocados em situação de instabilidade, sem garantia de conseguir renovar a licença dentro do prazo.
Líderes comunitários afirmam que muitos desses trabalhadores sustentam famílias inteiras e atuam em setores essenciais durante a pandemia e no período pós-pandemia, como logística de alimentos, transporte de insumos agrícolas e entrega de produtos médicos. A perda da licença, dizem, pode resultar em desemprego imediato, inadimplência e risco de deportação indireta — quando o trabalhador, sem poder dirigir, perde a capacidade de manter status ou comprovar meios de vida.
Disputa política entre Califórnia e governo federal
A medida aprofunda as tensões entre Sacramento e Washington. A Califórnia, governada por Gavin Newsom, frequentemente se opõe às políticas federais em temas como imigração, segurança pública e legislação ambiental. Para o governo federal, a revogação é uma correção necessária de falhas sistêmicas; para autoridades estaduais, trata-se de uma cobrança desproporcional e politicamente orientada.
Oficialmente, a Califórnia afirma que está apenas cumprindo o que determina a legislação estadual e que pretende cooperar com o governo federal. Entretanto, fontes políticas no estado criticam o tom da pressão e dizem que as agências federais tratam a Califórnia de forma mais rigorosa do que outros estados sob auditoria.
O que pode acontecer nos próximos meses
Além de continuar monitorando o DMV, o governo federal prepara novas ações para garantir que todos os estados cumpram as regras atualizadas de emissão de licenças comerciais. Entre as consequências possíveis estão:
Cortes adicionais de verbas federais para programas de transporte;
Suspensão temporária da autoridade da Califórnia para emitir CDLs, caso falhas persistam;
Novas revisões sobre motoristas com autorizações de trabalho que apresentam periodicidade irregular;
Expansão da auditoria para estados com grandes populações imigrantes, como Texas, Nova York e Flórida.
Enquanto isso, milhares de motoristas aguardam orientações oficiais e tentam regularizar seus documentos. Para muitos, o prazo de 60 dias é curto diante da burocracia migratória, da exigência de nova documentação e do risco imediato de perder o emprego.


