A Polícia Federal identificou, por meio de rastreamento bancário, a existência de operações reiteradas entre CNPJs ligados ao grupo Fource, com sede em Cuiabá, e a conta do espólio do advogado Roberto Zampieri, totalizando 43 transações de crédito e débito que, somadas, alcançaram o montante de R$ 14,5 milhões.
A Fource tem como sócios principais Haroldo Augusto Filho e Valdoir Slapak. A informação faz parte de um relatório parcial da PF, ao qual o MidiaNews teve acesso, que apura venda de sentenças judiciais, que tem como pivô o lobista de Mato Grosso Andreson de Oliveira, atualmente em prisão domiciliar.
Zampieri foi assassinado em dezembro de 2023 e em seu celular foram encontradas informações que indicam comércio ilegal de sentenças no Judiciário.
Na investigação, a PF encontrou indícios - inclusive em troca de mensagens de WhatsApp - de um esquema de fraudes em recuperações judiciais milionárias ligadas ao agronegócio, capitaneado pelo grupo Fource.
"De igual forma, a dinâmica triangular entre Haroldo FIlho, Zampieri e Andreson encontra respaldo direto nas comunicações analisadas. Os diálogos revelam que Haroldo formulava a Zampieri as demandas de interesse vinculadas a processos de relevância econômica e patrimonial, cabendo a este intermediar a execução", diz o relatório.
Os apontamentos indicam uma estrutura para "burlar credores, manipular processos judiciais e movimentar valores de origem ilícita sob aparência de legalidade".
Segundo o inquérito, documento da Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores aponta que a Fource se apresentava como uma empresa de reestruturação de companhias em crise, oferecendo serviços de renegociação de dívidas e assessoria em recuperações judiciais.
"Na prática, porém, funcionava como um braço operacional de um esquema criminoso que usava o sistema de Justiça para fins patrimoniais", sustenta a PF.
Três eixos
A investigação descreve que a atuação do grupo se apoiava em três eixos principais: judicialização instrumental, litígios artificiais e encerramento precoce de ações.
No primeiro, o grupo ingressava com medidas judiciais urgentes - liminares e tutelas - que produziam efeitos econômicos imediatos, como desbloqueio de bens, substituições de garantias e homologações de acordos previamente combinados. Esses acordos, afirma a PF, funcionavam como títulos jurídicos para justificar transferências de valores ilícitos.
No segundo eixo, eram criadas ações simuladas entre empresas ligadas à mesma estrutura societária. Após trocas de petições com “resistência aparente”, as demandas eram encerradas com acordos que regularizavam movimentações financeiras previamente ajustadas.
Por fim, quando o objetivo econômico era alcançado, os processos eram rapidamente extintos, sem julgamento do mérito, preservando os efeitos das decisões já obtidas.
Faudes falimentares e o agronegócio
Grande parte dos processos sob suspeita, segundo o relatório, envolve empresas do setor do agronegócio. A PF explica que as fraudes nesse campo costumam seguir uma “engrenagem organizada”, aproveitando lacunas da Lei 11.101/2005 (Lei de Falências) e o desequilíbrio de informações entre devedores, administradores judiciais e credores.
De acordo com o documento, a Fource operava dentro dessa lógica, simulando litígios e manipulando decisões para obter vantagens econômicas ou proteger empresas parceiras da execução de dívidas.
A PF afirma que a compreensão dessa estrutura é essencial para interpretar “as mensagens analisadas, as movimentações financeiras e societárias e os atos processuais identificados” ao longo da apuração.